plural

PLURAL: os textos de Atílio Alencar e Paulo Antônio Lauda

  • A irmã e a cidade
    Atílio Alencar
    Produtor cultural

    Acho que uma das características de Santa Maria que mais chamam atenção de quem aqui chega, vindo do interior, é a atmosfera de "cosmopolitismo provinciano" - expressão cunhada, se não me engano, pelo professor Ronai Rocha. Ele que, inclusive, sendo membro do corpo docente do Departamento de Filosofia da UFSM, ocupa um posto de observação privilegiado dos fluxos migratórios que atravessam a cidade. Gosto particularmente da sutileza desse oxímoro que tão bem define a condição contraditória de uma cidade que combina, em suas ruas e movimentos humanos, o tumulto e o marasmo, a efervescência e a letargia. Santa Maria é uma aldeia que causa o efeito de miragem em quem dela se aproxima: nunca chegamos a decidir se ela é grande ou pequena, como se a sua imagem ilusória dilatasse só para, outra vez, ensimesmar-se entre os morros.

    Há coisas e fatos que fazem daqui um lugar maior do que aparenta ser. A própria universidade, claro, é talvez o principal fator de expansão local. Expansão curiosa, visto que mobiliza gente do interior profundo e dos grandes centros urbanos, que vêm travar contato neste território e formam aqui uma colcha de retalhos cultural, tecida, descosida e remendada por muitas mãos simultâneas. Já disse outras vezes que Santa Maria é fatalmente memoriosa, por ser porto de partida e chegada onde se cruzam, entre encontros e desencontros, os destinos fugazes de tanta gente.

    Outro acontecimento que nos dá a visão de uma cidade maior é a Feira Internacional de Cooperativismo e Economia Solidária, coordenada desde há muitos anos pela Irmã Lourdes Dill. Ainda lembro quando fui levado a conhecer o evento, no início dos anos 2000, e fiquei deslumbrado com aquele mosaico de vozes, rostos, idiomas, cores e aromas da feira. É como se a América Latina se fizesse caber em poucos pavilhões, oferecendo artefatos e sementes, comida e indumentária, esperanças e utopias. Vista dali, Santa Maria assume uma grandeza continental, com o realce de uma metrópole em que o campo e a cidade cooperam de mãos dadas pelo bem viver humano.

    Nestes dias, corre a notícia da partida da irmã Lourdes, decorrente de sabe-se lá quais trâmites da instituição religiosa em que ela pratica seu ofício de fé. Seria natural e até desejável esta partida, houvesse ela ocorrido em outros tempos, quando a irmã, ainda jovem, poderia semear novos projetos solidários em lugares carentes deste tipo de iniciativa. Hoje, aos 70 anos, radicada há 35 em Santa Maria e ocupando a posição de madre superiora na organização da economia solidária local, é difícil concordar com a decisão de enviá-la em missão religiosa ao norte do Brasil.

    Se confirmada a despedida da irmã, mesmo sabendo que a feira e seus projetos cooperativos seguem vigorando, a cidade que a deixa partir ficará menor, inevitavelmente menor, aos olhos do mundo.

    Preocupado com comunicação e memória?
    Paulo Antônio Lauda
    Cirurgião-dentista e ex-professor da UFSM

    Imaginem que num dia intenso de relacionamento, enquanto nos comunicamos, geralmente ficamos ouvindo em torno de 50% do tempo. No restante, falamos, gesticulamos ou até escrevemos para nos comunicar. Então tira-se disso que ser um bom ouvinte é fundamental para comunicar bem. Há estudos que mostram que nós perdemos de 25% a 50 % de tudo que ouvimos. E isso acontece por problemas de memória ou de atenção? Apesar de uma boa memória ser muito importante, o que realmente faz a gente lembrar daquilo que ouvimos durante o dia é a sua atenção. 

    Existem mecanismos de defesa que criamos para proteger nossa integridade mental. Pessoas que fazem durante sua labuta diária diálogos repetitivos têm a tendência de não gravar quase nada desta rotina em sua memória. Um exemplo: um funcionário que está atrás do balcão para prover uma informação comum a todos. Imaginem que se ele atendeu uma centena num dia, seria muito desgastante para sua memória gravar todas as conversas. Ele passa a treinar o esquecimento ou colocar naquela sexta ou sétima gaveta da memória! Aquelas reclamações domésticas e contínuas sobre detalhes do dia a dia também podem ser esquecidas ou colocadas em quinto plano de memória. Passamos a selecionar as informações de acordo com nosso interesse e atenção. Existe também o fato que nossa mente voa, muitas vezes, sem nosso domínio. Uma vez na faculdade fui assistir pela primeira vez uma aula com um professor muito amigo e querido. Então, imaginei que demonstraria toda a minha atenção para com aquele mestre sentando bem na frente. Terrível foi a minha surpresa que minha mente estava desconectada daquele assunto e não consegui absorver quase nada. O sono veio de uma forma tão intensa que não conseguia controlar o equilíbrio da cabeça. Passados 50 minutos, percebi que meu corpo estava presente, mas a mente voando.

    Falantes contumazes como eu, precisam treinar e se concentrar para aprender a ouvir mais e não interromper o interlocutor durante a conversa. E quando não nos interessamos pelo assunto que estamos ouvindo? Daí é mais grave! Fizemos um bloqueio: "entra num ouvido e sai no outro". Não fica nada! Quando atingimos a sexta década como eu, percebo que este assunto está ganhando destaque entre nossos contemporâneos. Passei a selecionar minha atenção para coisas que realmente me interesso e consequentemente minha memória acompanha. Às vezes, me surpreendo perdendo um tempo enorme procurando o óculos, o celular, a chave. Tenho agora lugar certo para deixar estas coisas. Daí perco menos tempo na busca. Tenho um parente bem próximo que, já por muitos anos, percebo a sua habilidade em ficar horas conversando com alguém em estado de latência. Não absorve quase nada do seu interlocutor, mas, na hora de ele expressar sua opinião, é muito incisivo e detalhista. Era só na própria fala que sua mente se interessara. E muitas vezes o vi dar um feedback sobre um assunto completamente diferente do seu interlocutor. E mais, quando estamos mais velhos já carregamos uma quantidade enorme de informações pretéritas que precisam ser administradas. Sendo assim, o tamanho do nosso armário de informações é muito maior. Tem mais gavetas. Assim demoramos mais para acessá-las quando necessário. Enquanto isso, vamos vivendo esta experiência maravilhosa que se chama "vida"! Grande abraço a todos!


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